Por Antônio Diógenes – 01/09/2025
Crédito: Foto: Nelson Jr./SCO/STF – Imagem do plenário do Supremo Tribunal Federal
Processo inédito testou os limites entre comando civil e influência militar no regime democrático
O Supremo Tribunal Federal iniciou nesta segunda-feira, 1º de setembro de 2025, às 9h, o julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro e de um grupo de generais acusados de tentar subverter a ordem constitucional após as eleições de 2022. A sessão marcou um capítulo inédito na história política e jurídica do país, ao colocar sob escrutínio judicial a atuação de lideranças civis e militares que, segundo a denúncia, teriam conspirado contra a democracia.
A ação penal, instaurada com base em investigação conduzida pela Procuradoria-Geral da República, apontou que os réus participaram de reuniões estratégicas para discutir a interrupção do processo democrático e a permanência de Bolsonaro no poder, mesmo após sua derrota nas urnas. Entre os acusados estão os generais Braga Netto, Augusto Heleno e Paulo Sérgio Nogueira, todos com atuação direta no núcleo do governo à época.
Durante a abertura do julgamento, o relator do caso, ministro Alexandre de Moraes, leu trechos da denúncia e destacou que as provas reunidas indicavam “intenção deliberada de romper a normalidade constitucional por meios ilegítimos, com apoio de setores armados do Estado”. A sessão foi conduzida pela presidente do STF, ministra Rosa Weber, e teve transmissão ao vivo, com grande audiência e cobertura da imprensa internacional.
As discussões do dia giraram em torno da admissibilidade de provas, especialmente documentos apreendidos em endereços ligados aos réus e mensagens obtidas por meio de autorização judicial. A defesa dos acusados sustentou que se tratavam de conversas políticas privadas, sem valor criminal, enquanto a acusação reiterou que os atos configuravam ameaça concreta à ordem institucional.
Manifestações tomaram as ruas de Brasília ao longo do dia. Grupos de defesa da democracia realizaram vigílias e atos simbólicos nas proximidades do STF, com faixas e cartazes pedindo justiça e responsabilização. Do outro lado, apoiadores de Bolsonaro fizeram carreatas e discursos em frente a quartéis, reforçando a tese de que o julgamento seria uma perseguição política.
A sessão terminou no início da noite, após mais de sete horas de argumentações jurídicas. O plenário decidiu por maioria prosseguir com a análise do mérito nas próximas sessões, marcadas para os dias subsequentes. Rosa Weber destacou, ao encerrar os trabalhos, que “o Estado Democrático de Direito se afirma justamente quando é capaz de investigar e julgar, com serenidade e base legal, até os seus líderes mais poderosos”.
Especialistas ouvidos ao longo do dia avaliaram o julgamento como um momento-chave para a consolidação democrática. A jurista Eloísa Machado classificou o caso como “um divisor de águas entre um passado de impunidade e um presente que exige responsabilidade institucional”. Já o cientista político Cláudio Couto afirmou que “a condução equilibrada do julgamento é fundamental para manter a confiança da sociedade nas instituições”.
Nos bastidores do Congresso Nacional, o clima foi de cautela. Lideranças da base do governo evitaram declarações mais incisivas, enquanto a oposição reiterou críticas ao STF. Alguns parlamentares iniciaram articulações para apresentar projetos que ampliem a fiscalização civil sobre atividades militares e reforcem os limites constitucionais à sua atuação política.
O julgamento, mesmo em seus primeiros passos, já demonstrou seu potencial transformador. Seja qual for a sentença final, a abertura do processo já produziu efeitos práticos no debate público e na reconfiguração das relações entre poder civil e militar no Brasil. O país entrou em setembro de 2025 diante de uma encruzilhada histórica — e o STF começou a traçar o caminho possível entre a memória do autoritarismo e a promessa de um futuro democrático mais sólido.